sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Religião e política convivem juntas no debate eleitoral dos EUA


Raramente a religião esteve tão presente numa campanha eleitoral nos Estados Unidos, como agora, quando as discussões sobre teologia acabaram sobrepujando os debates sobre orientações econômicas. Entre os temas que vêm sendo objetos de debate entre os candidatos republicanos, não é a questão da retirada das tropas do Iraque que ganha atenções, mas sim a querela entre os mórmons e os evangélicos a respeito da reencarnação de Jesus Cristo. Todos eles estão convencidos de que a reencarnação irá acontecer, mas onde? No Estado do Missouri, conforme acreditam os mórmons? Ou no monte das Oliveiras, em Jerusalém, conforme garantem os evangélicos?

Os democratas, por sua vez, não se mostram tão interessados nestas questões de dogma, mas comparecem com assiduidade aos locais de culto para neles serem vistos. A democrata Hillary Clinton assistiu ao ofício batista, no domingo, 23 de dezembro, em Waterloo, no Iowa.

Na semana anterior, o seu rival Barack Obama havia conduzido um grupo de jornalistas até a First Congregational United Church of Christ (Primeira Igreja Congregacional Unida de Cristo) para sublinhar que ele é um cristão, mesmo que este não seja o caso de uma parte da sua família paterna, que vive no Quênia.

Embora seja um partidário declarado do presidente George W. Bush, o jornalista Charles Krauthammer, autor de crônicas publicadas no "Washington Post", declarou estar sofrendo de uma "overdose de piedade pública". No decorrer dos debates republicanos, os candidatos tiveram de responder a perguntas que, dentro de qualquer outro contexto teriam sido consideradas como questões que dizem respeito apenas à esfera privada.

"Será mesmo que Deus criou o mundo em seis dias, há 6.000 anos? - Eu não tenho a menor idéia, eu não estava lá", respondeu Mike Huckabee, o pastor batista, que está na frente nos Estados do sul, segundo as pesquisas. "Mas foi o que ele fez, e isso é o que importa".

Em 29 de novembro, um habitante do Texas perguntou aos candidatos se todos eles acreditam em tudo o que está escrito na Bíblia. "A resposta que os senhores fornecerão nos ensinará tudo aquilo que nós precisamos saber a seu respeito", acrescentou.

"Com toda certeza", respondeu Mitt Romney, o candidato mórmon. "É o livro de Deus". Já, Rudolph Giuliani, o antigo prefeito de Nova York, um católico pouco praticante, fez o melhor que podia.

"Este é o maior livro que já tenha sido escrito", disse Giuliani. "Mas eu não interpreto todo o seu conteúdo ao pé da letra; por exemplo, Jonas dentro do ventre da baleia, etc. Parece-me que em textos como este, existem alegorias".

Conforme sublinhou Charles Krauthammer, "nenhum dos candidatos atreveu-se a responder: 'Isso não é dá conta de vocês'".

Os Estados Unidos estariam ainda mais religiosos ao saírem dos anos Bush? É preciso evitar formular conclusões apressadas. O fenômeno que incentiva esta escalada de argumentos no plano religioso é característico das eleições "primárias".

Nos dois campos políticos, é sempre a base radical que mais se mobiliza e que comparece em peso para votar. Os candidatos se vêem então obrigados a seduzirem os extremos se eles quiserem conquistar a investidura do partido. No caso dos republicanos, é a base religiosa que dá o tom.

Neste ano, as participações de um pastor - o antigo governador do Arkansas, Mike Huckabee - e de um mórmon conferiram uma importância ainda mais marcante às questões religiosas. Mitt Romney foi obrigado a fornecer explicações a respeito da sua Igreja. Por mais que ele se vanglorie do seu percurso sem falhas como homem de negócios, como governador e como responsável pela realização dos Jogos Olímpicos de Salt Lake City, a campanha forçou-o a discutir constantemente a sua condição de mórmon. Em 30 de novembro, ele foi obrigado a proferir um discurso inteiramente dedicado à questão religiosa.

Ele lembrou que os "Pais fundadores" haviam inscrito a liberdade de religião na Constituição. Mas ele achou por bem proceder a um acréscimo sobre esta questão, o qual não passou despercebido, principalmente entre os ateus, um grupo que está começando a ganhar uma importância cada vez maior na sociedade. Da mesma forma que a religião precisa de liberdade, disse o pastor, "a liberdade precisa de religião".

Por sua vez, Mike Huckabee foi capaz de explorar as desconfianças que os mórmons inspiram nos evangélicos. O homem aparenta ser bonachão, mas ele sabe arremessar as suas flechas. Com a maior "inocência", ele fez a seguinte pergunta a um jornalista: "Não é verdade que os mórmons acreditam que Jesus e o Diabo são irmãos?".

Huckabee foi obrigado a pedir desculpas, mas a questão passou a ser discutida. No momento em que falta uma semana para o início do pleito no Iowa, ele está no processo de conquistar os votos evangélicos. Na sua mensagem de votos de Natal, gravou num vídeo em que apodera-se do tema que é sempre o predileto dos conservadores nesta época do ano: a defesa do Natal frente aos não-cristãos que tentam retirar desta celebração o sentido religioso, preferindo dizer antes "Boas festas!"

Embora se trate de um videoclipe para a campanha eleitoral, ele aparece trajando um pulôver vermelho na frente de uma estante em forma de cruz, para lembrar que o Natal comemora o nascimento do Cristo.

Os republicanos estão disputando entre si a herança deixada por George W. Bush e seu conselheiro político Karl Rove: o voto evangélico, esta senha mágica que supostamente teria aberto para Bush as portas da reeleição graças à força de mobilização das organizações cristãs conservadores. Numa proporção de 78%, os brancos evangélicos votaram na chapa formada por Bush e Cheney em 2004.

Mas os evangélicos já não formam mais um bloco monolítico. As pesquisas de opinião mostram que está havendo por parte deles certo desinteresse pelo partido republicano. Este processo de distanciamento foi iniciado há vários anos e foi desencadeado pelas divergências em torno das questões sobre o meio-ambiente que surgiram no decorrer de um debate entre os evangélicos.

Estes consideram que a salvaguarda do planeta constitui uma prioridade, e se posicionam contra aqueles que preferem concentrar a sua mensagem nas questões da defesa da "civilização" e da "vida", ou seja, valorizar os temas do casamento, do aborto, das células-tronco, entre outros.

Este processo de distanciamento é particularmente evidente entre os jovens. Entre os evangélicos que têm menos de 30 anos, 55% se consideravam como republicanos em 2004. Atualmente, a sua proporção diminuiu para 37%. Estes conservadores ampliaram o leque dos seus assuntos de preocupação, passando a se interessar pelas questões sociais, entre as quais a pobreza e a exclusão.

Eles não excluem promover coalizões, a exemplo do pastor Rick Warren, que celebrou uma aliança com eleitos democratas, entre os quais Barack Obama, para uma campanha contra a Aids, reunindo-se com eles em sua "mega-igreja" na Califórnia.

Os evangélicos estiveram no auge da sua influência política no começo dos anos 1980, empurrados pelo crescimento da "maioria moral" liderada pelo pastor "televangelista" Jerry Falwell, e mais tarde com George W. Bush, mas a paisagem já evoluiu consideravelmente. Conforme explicou a revista "Time", o "campo de oração nivelou-se". O bloco da direita cristã começou a desmoronar, e hoje corre o risco de perder o seu status de "fazedor de rei".

Neste ano, os principais favoritos se atacaram mutuamente, diante da impossibilidade de encontrarem um candidato do seu gosto.

O fundador da Coalizão Cristã, Pat Robertson, fez apelos para que todos votassem em Rudolph Giuliani, o qual não passa de um herético aos olhos dos fundamentalistas, enquanto Mitt Romney recebeu o apoio de Bob Jones, o fundador da Universidade Evangélica da Carolina do Sul. Jerry Falwell morreu na primavera passada. Em Colorado Springs, a "Meca dos evangélicos", a comunidade foi abalada pela demissão forçada do pastor Ted Haggard depois de um escândalo sexual e, além disso, no início de dezembro, por uma chacina que deixou três mortos na New Life Church (Igreja da Nova Vida).

No âmbito da sociedade, o fenômeno religioso também parece estar arrefecendo. Segundo uma pesquisa realizada pela organização independente Pew Research Center e que foi publicada em março, 45% dos americanos afirmam que a oração é um momento importante na sua vida cotidiana: isso representa uma diminuição de 10% em relação a sete anos atrás.

Entre 2003 e 2007, o número daqueles que afirmam que eles nunca duvidaram da existência de Deus diminuiu de 8 pontos (ainda restam 61%). Os analistas do Pew Center apontam que a tendência ao crescimento da prática religiosa, que havia sido constatada durante os anos 1990, inverteu-se. A proporção de americanos agnósticos continua sendo infinitesimal (12%), mas ela está aumentando entre os jovens: cerca de 20% dentre eles se declaram sem afiliação religiosa, ou ainda, ateus.

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