segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Justificação pelas obras: Qual o seu papel na Salvação?


Era uma manhã de sábado, no início da Escola Sabatina, quando perguntei à igreja: somos justificados por meio da fé ou por meio das obras? Pedi para que levantassem a mão aqueles que concordavam que era somente pela fé, e todos levantaram.

Apesar da pergunta ter sido feita de forma unilateral e exclusivista, é notável que atualmente haja uma ênfase exagerada na justiça pela fé em detrimento da justiça pelas obras, destacando apenas a obra de Cristo por nós[i].

Na verdade, se hoje for mencionado que uma pessoa também é justificada pelas obras, será tido como grande distorção e desequilíbrio na compreensão da graça redentora de Cristo.

Mas na Bíblia nos deparamos com um texto que se no passado foi super-enfatizado pela igreja adventista, hoje é olvidado por muitos: “Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente” (Tiago 2:24). (Se essa não fosse uma citação bíblica talvez esse artigo fosse condenado neste momento).

Mas por outro lado temos declarações bíblicas enfatizando a justiça pela fé: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independente das obras da lei” (Romanos 3:28).
Por parecer contraditório aos ensinos de Paulo, o livro de Tiago foi rejeitado por muitos professos cristãos durante a história do cristianismo e até chamado de “epístola de palha” por Martinho Lutero, que a rejeitou como inspirada por Deus[ii].

A pergunta que surge é: somos justificados pela fé ou pelas obras?

O texto mais elucidativo e completo sobre o tema está em Efésios 2:8 a 10: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”.

Note que o primeiro destaque do texto é a afirmação de que a salvação é de graça, e que o homem por si só não possui fé (“isto não vem de vós”) e nem obras. Por outro lado é mediante a fé que o homem pode exercer seu papel de produzir boas obras. Este texto revela a inter-conectividade entre fé e obras, colocando-as no mesmo nível na escala da justificação.

Foi neste sentido que Tiago escreveu: “Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou.” (Tiago 2:21 e 22).

É pela obras que a fé se consuma, e é pela fé que se produzem boas obras. Fé e obras: inseparáveis!

Outro exemplo desta conectividade entre fé e obras: “De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe, quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tiago 2:25 e 26).

É relevante notar que Paulo, quando enfatiza a justiça pela fé, está reagindo à crença de que a lei ou as obras justificam o homem por si só. A questão de Tiago não está direcionada à justiça pela lei como meio de salvação, mas a conectividade e inseparabilidade entre a fé e as obras. Sendo assim, a teologia de Paulo não está diretamente oposta à de Tiago, pois eles não estão tratando do assunto sobre o mesmo prisma, mas reagindo a ênfases diferentes.

Enquanto Paulo tenta equilibrar o ponto de vista dos cristãos judaizantes (aqueles que acreditavam na justiça somente pela lei ou obras), Tiago alerta aos cristãos da conhecida “graça barata”, onde a fé por si só era o meio de justiça. Analisando profundamente as questões em que Paulo e Tiago discutiam, vamos perceber que o objetivo dos dois era um só: mostrar que o homem não possui meios próprios de alcançar a justiça, nem por obras (como afirma Paulo) e nem pela fé em si mesma (como afirma Tiago).

Ellen G. White, comentando o texto de Tiago escreveu: “O apóstolo Tiago viu os perigos que surgiram ao apresentar o tema da justificação pela fé, e tratou de demonstrar que a fé genuína não pode existir sem as obras correspondentes... Nossa fé deve abundar em boas obras, pois a ‘fé sem obras está morta’. Cada dever cumprido, cada sacrifício feito no nome de Jesus, proporcionam uma abundante recompensa”[iii].

O décimo capítulo do livro Nisto Cremos provê uma harmonização clara sobre o assunto: “O apóstolo Tiago adverte contra uma compreensão incorreta da justificação pela fé sem manifestar as obras correspondentes. Ele demonstrou que a fé genuína não pode existir sem as obras... A experiência de Abraão revelou que as obras constituem evidência de um genuíno relacionamento com Deus[iv]”.

Champlin, ao comentar os versos de Tiago sobre a justiça pelas obras, concluiu: "A fé, sem a ajuda e a cooperação das obras, jamais poderá justificar a um homem diante de Deus.[v]”

Note a declaração do Comentário Adventista: “Tiago não nega que o homem seja declarado justo pela fé, pois a entrevista que acaba de apresentar do Gen. 15:6 assim o demonstra; o que nega enfaticamente é que a profissão de fé, por si só, possa justificar a alguém. As boas obras acompanham à fé e demonstram a validez da fé pela qual uma pessoa é justificada. Se não houver obras é evidente que tampouco existe uma fé genuína . Ninguém que tenha decidido ser mais e mais semelhante a Cristo, poderá viver uma vida que não tenha boas obras. O apóstolo continua pondo a ênfase na inseparabilidade da fé e as obras. É evidente que não se está ocupando do problema de as ‘obras da lei’ segundo os requisitos rituais do judaísmo”[vi].

Uma vez claro a inter-conectividade e inseparabilidade entre a justiça pela fé e as obras, gostaria de reagir à ênfase demasiada da atualidade na justiça pela fé mostrando o papel das obras no contexto da justificação.

Em Romanos 2:5 e 6, Paulo mostra a importância das obras: “Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação dos justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo o seu procedimento”.

Outros textos elucidativos sobre o papel das obras na justificação:

Mateus 5:16: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”.

Hebreus 10:24: “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos
ao amor e às boas obras”.
Textos que revelam que haverá recompensas para as boas obras:

Mateus 16:27: “Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai,
com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras”.

Apocalipse 20:12: “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos,
postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o
Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas
obras, conforme o que se achava escrito nos livros”.

Apocalipse 20:13: “Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o
além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo
as suas obras”.

Algumas obras ajudam no processo de justificação:

Provérbios 10:12: “O ódio excita contendas, mas o amor cobre todas as
transgressões”.

Tiago 5:20: “Sabei que aquele que converte o pecador do seu
caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados”.

I Pedro 4:8: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os
outros, porque o amor cobre multidão de pecados”.

É interessante que um dos malfeitores, após contemplar Jesus na cruz, manifestou fé em Seu sacrifício, e mesmo pregado no madeiro, produziu obras, pois ele repreendeu o outro
malfeitor que zombava de Jesus, testemunhando Seu amor.

Podemos concluir que somos justificados pela fé e pelas obras, uma vez que é impossível desconectar esses dois aspectos da justificação. Assim harmonizamos a obra de Jesus em nós (santificação/obras) com a obra de Jesus por nós (justificação na cruz/fé).

Infelizmente muitos professos cristãos estão vivendo um cristianismo destituído de obras, com uma fé morta. Ao mesmo tempo em que não devemos super-enfatizar as obras como meio de salvação, não podemos destituí-las de seu significado bíblico, ou seja, presente na vida daquele que manifesta fé verdadeira em Cristo.

Referências:
[i] Alberto R. Timm, O Movimento Adventista e a Justificação Pela Fé, (São Paulo, SP: Instituto Adventista de Ensino, 1988), 38. Esta ênfase minimiza o processo de santificação realizada pela obra de Cristo em nós.
[ii] Russel Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, (São Paulo, SP: Editora Hagnos, 2002), 1 e 2.
[iii] Ellen G. White, Comentario Biblico Adventista del Séptimo Día, 7-A, Comentários de E. G. de White, (Buenos Aires: Asociacion Casa Editora Sudamericana, 1994), 948.
[iv] Nisto Cremos, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), 173.
[v] _____, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 51.
[vi] Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Adventist Bible Commentary (Hagertown, MD: Review and Herald Publishing Association, 1980) 523.

Fonte:Nisto Cremos

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